Avançamos pela rua que dava acesso ao prédio de Renata.
Perdi a conta de quantos zumbis haviam sido mortos naquele dia. Uns cem,
presumi. Eu mesmo havia matado uns quinze, vinte, mais zumbis. Quantos cada um
de nós não tinha conseguido destruir? Não sei. A partir deste momento minha
mente agarrou apenas alguns flashes. Não recordo bem do que aconteceu, de como
aconteceu. Lembro do céu azul de verão. Lembro do rosto de Renata sobre mim.
Lembro de Claudemir e Alberto me carregando. Lembro de ouvir tiros. Depois,
silêncio e ais nada.
Em 24 horas eu havia matado cerca de trinta zumbis, doado
quase meio litro de sangue, atravessado a cidade debaixo de um sol a pino e não
havia comido nada. Minha pressão tinha caído violentamente.
Quando abri os olhos era Renata que estava em cima de mim.
_ Você está bem?
Os cabelos longos dela tocavam no meu rosto.
_ Seus cabelos me dão claustrofobia.
_ Mas você gosta?
Ela cheirava a shampoo e perfume caro. Pequenos luxos que
uma mulher podia se dar mesmo em meio ao caos zumbi.
_ Muito.
Já era noite e os outros dormiam nos quartos.
_ Quanto tempo eu apaguei?
_ Umas dez horas. Foi o bastante para eles darem uma
dispersada. Olha lá em baixo.
Levantei devagar, sentindo dor em todo o corpo, especialmente
no braço de onde havia sido tirado o sangue. Renata me deu apoio. Estávamos no
décimo primeiro andar. Olhar para baixo me deu vertigem a princípio, mas
consegui controlar. Sentia fome, e estava febril. Lá em baixo, na rua, nada
mais que dez ou onze desmortos.
_ Como está o Marcos?
_ Bem. Ele sobreviveu.
_ Isso me deixa feliz. E você? Como está?
_ Feliz que você está bem.
_ Eu estou feliz que você está aqui.
Toquei o rosto dela com as costas da mão. Ela correspondeu
ao afago. Fechou os olhos e entreabriu os lábios. Me aproximei devagar. Brisa que vinha da janela trazia o cheiro
salgado do mar, e não o cheiro podre dos desmortos. As estrelas brilhavam no
céu enquanto as luzes lá em baixo piscavam incertas. Ao longe, a estação
ciência brilhava. Tinha esquecido de como esta cidade era bonita e de como ela
havia me atraído para ela.
Beijei Renata devagar, sentindo os lábios dela. Deixei que
todas as ideias e culpas sobre Lenora e Augusto se fossem. Havia um mundo aqui
fora, um mundo que, apesar de desmorto, ainda vivia, pulsante, gritando de
vontade de ser reconquistado pela humanidade, ou pelo que houvesse sobrado
dela. Todo um mundo de sensações e novas descobertas que precisava ser tomado de volta. Pensava nisso enquanto meus braços circundavam o corpo de
Renata contra a luz da lua que vinha da janela, acompanhada do cheiro do mar que uma brisa distante trazia do oceano. Uma brisa limpa daquele cheiro pobre lá de baixo.
É. João Pessoa era linda demais.